domingo, 30 de novembro de 2008

Atlas


Bandeiras distantes, países comprimidos entre os dedos, na cama de noite os pés no chão do mundo, rios talhados em vermelho, branco, traçava no mapa navios o ranger da porta na cama e o cobertor sendo puxado, continentes descobertos, a cada toque um medo em fuga porto deque dia claro só navega pro nepal, japão, o peso no corpo, no escuro, na china longe um bilhão de pessoas cheirando a cravos da índia famílias inteiras correndo perigo em mumbai em santa catarina o bafo de cachaça a mão rasgando as calças, a irmã chorando ao lado, pesadelo e latitude em vigília malásia mongólia maldivas tremores camboja espasmos de mapas molhados.

sábado, 29 de novembro de 2008

fineza

arrumar o quarto é uma necessidade vibrante que se estende sobre os períodos da vida de qualquer pessoa. objetos que há pouco representavam alguma possível renovação ou uso se desconfiguram com o que se chama de arrumação. o contexto decorativo de repente deixa de existir. nada escapa da fúria tremenda daquele que decide desempilhar e escolher. os objetos tremeluzem com o movimento de olhos subitamente acordados. a poeira se anima e colore a janela aberta, que nunca esteve diferente. um quarto é uma Nova sala. um quarto possui franca produção. note-se tudo o que ali pode mudar de lugar. arumá-lo muda o que está fora dele.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O verdureiro

Ele nunca falhava. Todos os dias passava no meu portão oferecendo sempre verduras fresquinhas. Eu ria e dizia que não era preciso. Já tenho minha horta em casa e estou muito bem com ela. Mesmo assim, todo dia ele passava aqui em frente. Um dia perguntou o que eu tinha na minha horta. Apenas alface, alecrim e cebolinha. Ele riu e disse que eu deveria levar manjericão, agrião e rabanete. Aceitei a oferta e desde então passei a comer menos as verduras da minha horta, já que tenho que adubar, regar e só depois colher. Com o verdureiro é bem mais fácil, ele já trás tudo crescido e pronto para consumo.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Diário de Estância, II


Na confusão da mudança, alguém dependurou pançudo urso de pelúcia naquela janela de lá, do caixilho azul-turquesa. A noroeste, crianças pulam corda no pátio elevado da Escola Municipal. O que é próximo e circular. Visiono a passagem pela praça, ele enfia pelo último bocado da rua, esvaece entre as árvores. Sujeito curioso, você. Sempre pelaí, advogando o picadinho polifônico, o triunfo dos tabiques e murais, a distância. É preciso estatelar-se, sempre, maravilhosamente, não era isso? Agora você me senta num banco de praça, faz cara de vai-um, e o grande momento, como de hábito, não se dá (para um espaço comum). Ah, sim, ele veio, e um retrato é sempre perfeito, a despeito de si próprio. Naquela época eu tinha um emprego mas minha educação sentimental ia de mal a pior.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

transformator plus sonic

pro Érico
Quando digo que entre escrever e estar escrevendo existe uma separação é que com os olhos quase fechando escrevo com sílabas faladas e datiloscritas auditivas: "idade é uma coisa que se junta". Daí fico parada. Olhando uns segundos aquilo que de névoa escrita, vendo entender se faz . Sentido. Sempre foi assim. Com a diferença de que agora, quanto mais parece que não disse nada com nada, mais clara e separada de todo o resto é a frase. Pronta! - - - - - - - - - - Estou de azul. O gato rompeu o saco. A pá é amarela. No escuro da cozinha - queimou antes do anoitecer - não escuto mais o gato, nem a rua, nem procuro o poema do caminhão de lixo que ontem ouvi de madrugada. Agora não sou eu quem escreve mais.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Para o lixeiro

Um poema de Pessoa dizia algo, que era? Hoje não, hoje não posso, hoje é impossível, hoje nada. Mas acordo cedo, recolho um saco inteiro de cocô dos cachorros acumulado durante a semana, deixo o saco na calçada para o lixeiro que passa às oito horas, vou para a faculdade, saio com pressa, pego o metrô depois o estacionamento em frente à estação onde deixei o carro porque não teria tempo para um mínimo de tráfico que fosse. Dirijo para a terapia sem almoçar, em casa faço um prato e como em frente à TV, conversando com meu colega no horário que já deveria ser uma reunião mas virou almoço, depois uma hora discutindo um trabalho e não tomo banho, apenas passo um perfume forte, preciso sair, triste, seria francesa apenas por necessidade porque hoje não posso mais nada, nem tomar banho.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Cartão-postal

De acordo com o posicionamento da luz, os ambientes mudam completamente. Há decoradores que se aproveitam das vantagens luminosas em ambientes fechados, mas é artificial, como uma sucuri num vidro de formol: impressiona, mas não é verossímil. Outro dia, voltando tarde para casa, no metrô quase vazio, onde reina o sono e o cansaço sob a luz mortiça das lâmpadas fluorescentes, ergo os olhos e deparo-me, à esquerda, com o morro da Penha sob o manto da noite. No alto, a igreja nova, uma catedral maciça e volumosa, iluminada dum jeito curioso: na base e a luz a perder-se pelos torreões, a desfazer-se. O efeito de luz dava a impressão que a igreja placidamente flutuava e, àquela hora, foi verdadeiramente espantoso.

domingo, 23 de novembro de 2008

A parábola dos talentos

Eis que, viajando o senhor, chamou seus servos e entregou-lhes seus bens. E a um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, conforme suas capacidades. Partindo o senhor, os dois primeiros dobraram os talentos recebidos, mas o terceiro cavou a terra e lá escondeu o seu. Ao regressar, o senhor regozijou-se dos dois primeiros. O terceiro, no entanto, disse-lhe: "Senhor, eu conhecia-te e, atemorizado, escondi o teu talento. Aqui tens o que é teu". E o senhor disse: "Mau e negligente servo. Fica, pois, sem o talento, que será dado ao que tem os dez. Porque a quem tiver será dado, e terá em abundância; mas ao que não tiver até o que tem ser-lhe-á tirado. Lançai o servo inútil nas trevas; ali haverá pranto e ranger de dentes."

sábado, 22 de novembro de 2008

os desfilem atraem público

brega é uma dor muito exata, que já acompanha anos. só ele exprime e compreende uma certa desventura. ex.: uma festa ilhada como no Adocica. a Brenda: animo. eu animo. eu divirto. muito estilo, clube da fantasia. hoje não volta nunca. só quando um personagem surge em meu corpo humano: a rosa por acaso tem utilidade. POR ACASO ESCARLATE NO CABELO BEM. um retrair-se diante do que já foi dito: "rosa é para enfeitar". o que dirão do rosa-choque será pior. dor. é pura dor palhaça. o privilégio da piada, a ironia fechadíssima, mas penetrante-inconsicente. o carisma faltoso em conjunção com o impossível. uma espontaneidade maldita onde menos se espera: como quando no quadro escreveram sem querer algo que "combinou" com a roupa. e alguém disse que era feia. um presente oblíquo oferecido à minha pessoa.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

programa de vovó

Acho televisão uma coisa enfadonha. Antes que pensem que é birra aos avanços tecnológicos, já digo que não. Até porque, qual a grande tecnologia da/na televisão? A maioria das novelas tem a história parecida com as três primeiras que vi antes de ir para o colégio de freira no norte do estado. Acredito que programa de fofocas e receita é coisa de/pra velha que não tem o que fazer em casa. A vovó, aqui, é ocupada. Assistir a telejornal é coisa de masoquista. E a vovozinha, aqui, é uma dominatrix. Prefiro desligar a TV e viver a pornografia. É assim que volto do mercado sempre com o carrinho cheio.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Diário de Estância, I


Olá, Cláudio! Olá, gato gordo do Cantinella! Uns olhos, benza Deus. Naquela época eu tinha um emprego mas minha educação sentimental ia de mal a pior. O que vocês usam na moagem dos grãos: ouro? Meto o dinheiro miúdo no bolso de trás. Comecei as “7 Canções do Maratonista”. Mudei-me para o coração de meus nêmesis. Acaso tenho cara de por temporada? Viver próximo a uma praça tem das suas – a gente está sempre pensando no que é próximo e circular. As habitações dão para um espaço comum. Pensei que fosse escrever isso mais cedo, o céu estriado de: ouro? Será que ele também me larga porque eu bebo demais e não consigo parar quieto em casa? Isso está ficando enfadonho, todo mundo já viu esse filme. Privar é complicado, todo mundo já viu esse filme.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

sete pedaços de vento

Me escondo embaixo dos móveis à maneira dos abandonados. Não sei me ter. Terror do oceano mudar de nome enquanto durmo. E o gato que vem me lamber o focinho logo cedo. Levanto-me e é enorme. Toco as paredes. Escuto a água nos vidros. De estômago ouviria aquele dos Smiths. Mas tão calma, não te anuncio mais nada. Atrás do olhar há um olho. Abro as janelas para o vento entrar como se salgasse a terra pele do que vejo. Não mais pelas frestas, por toda a abertura o vento traz o mar a estrela e a morte e o espelho o amor e a memória e a casa e a viagem e a dor e a saudade o encontro a distância e a sorte o eco e a palavra é muito periférica para quem tem um corpo.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Crock

Não deu tempo de tomar banho, camiseta verde horrível, só vesti aquilo porque ia catar o cocô dos cachorros e estava choviscando e eles certamente iam me sujar. Além de horrível marcada na barra, a terra das patas dos cachorros mas dane-se, coloquei uma calça velha e saí. Sapatilha crock de borracha porque talvez chovesse de novo e quando cheguei na João Moura choveu mesmo, um temporal. Ia passar, chuva forte nunca demora, mas eu tinha hora marcada então deixei o carro no estacionamento, sete dolorosos reais, mas era o mais perto e eu não tinha guarda-chuva. Dobrei as calças e saí correndo, a chave na mão para abrir o portão bem rápido. Entrei, tirei as sapatilhas e deitei. Pela primeira vez naquele divã. Descalça, molhada e com as calças dobradas, não parecia perigoso.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Na estação de Artur Alvim

Banheiros públicos só devem ser usados em último caso. E o último caso é, algumas vezes, inevitável; como foi dessa vez. Foi no banheiro da estação de Artur Alvim, eu lavava as minhas mãos quando, aproximou-se de mim um mendigo esquelético e crostoso: olhou-me e sorriu. Lavou o rosto e a água desceu preta e cinza. Seu sorriso era uma miríade de cacos de dentes. Não se podia chamar aqueles fragmentos corroídos pela podridão de dentes. Encheu a boca de água, fez um bochecho e um gargarejo. Sorriu novamente e era medonho de ver-se. Mas nada comparou-se ao momento em que, enfiando a mão toda na boca, sacou de uma vez os maxilares, numa cena incompreensível. Seus dentes podres eram uma dentadura cenográfica.

domingo, 16 de novembro de 2008

Cadernos soltos

.
Ele estava sozinho no meio do vento a dias.
A mulher enxugou as mãos no avental perguntou
"De onde esse pó que você diz repousar?"
Ele realmente não sabia. Espanou umas palavras vermelhas do ombro,
mais tarde viria a brisa
às seis o ar parado escurecendo a vista.
De noite o pó caía?

.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Estrada do Galeão

Exatamente na hora marcada, ele chegou à porta do aeroporto. Me esperava no desembarque azul – internacional. Seria difícil ele entender que Vitória não fica em outro país? O carro só tinha duas portas, era pequeno e sem ar-condicionado. Desde quando carioca ignora o calor? Disse que foi de bom grado, mas porque era no Tom Jobim, se fosse no Santos Dummont, ele não iria. Alegou que não gosta de sair da Ilha pra nada. Tomei a direção de volante e joguei o lado dele do carro contra um caminhão de carga. Agora, ele vai dormir na geladeira do IML, no Centro, para deixar de ser mané.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

roubado

Os dias têm me parecido pêndulos enormes aos quais me agarro no jogo do corpo desvio vão nave nuvem. Vontade de afogar estas saudades loucas: pegar uma garrafa, soprar lá dentro e deixar ir pra costa onde for. Enquanto ergues a menina para ver o peixe-lua choro pelos livros que virão. Não sei, desfazer mesmo as árvores em papel? E no dia morrermos - - tudo se desfizer no ar das coisas e nossos objetos não virarem relíquias porque já o transformamos em relíquias vivendo e antes nossas coisas corpos incêncios dilúvios e esquecimento. Preciso trabalhar fora do mundo, dentro do silêncio das portas abertas, conveniência sua em me aceitar, lúcida- - erguem-se em direção aos rochedos cem gaivotas.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Melloddy

De repente ontem me deu vontade de escrever um diário. Diário de verdade, como eu nunca tive, em que se colocam os sentimentos mais íntimos. Só tive um diário na vida, chamado Melloddy, para imitar o nome do diário da Anne Frank. "Melloddy" não me satisfazia inteiramente, meio brega, mas os duplos eles e dês e o ípsilon davam um ar estrangeiro que quebrava o galho. Escrevi por algum tempo porque era um presente da minha mãe, não tanto para abrir o coração mas por uma ambiçãozinha infantil de ficar famosa como a Anne Frank, sem realmente perceber que ela era famosa porque tinha morrido num dos maiores horrores do século. Quando não tinha nada pra dizer, contava piadas ou desenhava as letras do alfabeto.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Letra comida

A cidadezinha de São Pedro do Monte acordou em pé-de-guerra: alguém tinha roubado uma letra do letreiro em concreto que anuncia a cidade, na beira da estrada. E ainda tinha deixado uma espécie de apóstrofo pendurado. Agora lia-se: São 'edro do Monte. Logo juntou-se um círculo de curiosos ao redor do letreiro e, não demorou muito, chegou o prefeito e tentou tomar as rédeas à situação e falou, tonitruante: "Quem 'oderia ser o vândalo que fez isso?!" Faltou um som. Foi o pânico, as pessoas corriam como formigas num formigueiro pisado. Antes que o problema se alastrasse, e mais letras sumissem, os habitantes foram evacuados para os ginásios das cidades vizinhas; doações para os desabrigados são bem vindas.

domingo, 9 de novembro de 2008

ATURDE SATURNO

Crer as pernas gordas largadas ao vento - dedos rechonchudos desenhando no ar - não vai chover por enquanto enquanto você estiver desse lado com a brisa na calcinha - refresco / faz bem ser assim tão despojada, sem o rascunho do colesterol nas veias. Quando eu era menina, imagine uma gorda jogando bambolê! Esqueça o antisséptico bucal, a domesticação dos dentes, eu vou te dar uma língua e um lindo abraço - dois minutos sem busca - a cintura rodando as estrelas olhos de orvalho no céu vão descer soltas / sem coreografia / amor o vapor do asfalto / gira sem pausa / estilhaça a água dos cabelos se as outras crianças correm pra casa - pros toldos - escreve telhados - aturde saturno - desembestadançar

sábado, 8 de novembro de 2008

a sua carta dizia: "chuva tantaque o vapor des-cansa". a chuva fora aqui de casa parecia the smiths tocando. meu braço, apoiado na janela, doía do teclado do computador. é uma dança contemporânea macabra que realizo durante o trabalho. de onde vem esse sadismo? pergunto vago. pergunto frio e vago: de onde eu tirei essa vontade de buscar a minha alma para fora. ninguém responde, claro. abstração do bailarino clássico! macabro sem compromisso com nada fora do movimento. sem represença. danço e falo comigo, com os outros, todos os dias, bom dia. agindo no mundo. a alma saindo me atinge. fica esperando a dor do braço passar.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Cerveja, por favor!

Não sei quem inventou que velho tem que andar com velho? Essas excursões da “melhor idade” me apavoram e me deprimem. Detesto ter que esperar as “amigas” que a cada dois passos, param para “tomar um arzinho”. Acho “o” fim, aquelas que não podem ver uma planta bonita e já querem pegar um muda. Se não cuidei de criança, lá vou cuidar de uma avenca?! Quando me aparecem com suco ralo e sem açúcar na hora do almoço, peço para morrer. Eu tomo é cerveja! E nem adianta me dizer qual é “o” segredo dessa torta de camarão com palmito. De-tes-to essa mania de cozinhar.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

gosto de títulos que confundem em vez de reiterar

A maior parte das cidades e coisas do pensamento não passam de bobagens, como quando o jornal você lê esquecido do Público e solta um aaah que bobagem. Já passa de meia-tarde, meu bem, e se empilham com ele todas as cartas postergadas, exemplares fátuos, para amanhã! brotando em papéis espalhados pela casa uma série de contas pra pagar, como a visão que meu pai teve menino, de grãos de areia avançando pelos cômodos, soterrando o corpo e arrastando para fora o grito de um coração em degelo. Clarisse me disse uma vez, abrir a pancadinhas o peito, e por trás do craquelado, nascendo da mesma brotação que gerou o errado, aparece o coração, não mais encalacrado, livre. Mas me pergunto, se disperso, o que fazer com ele?

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Chão de lajota

A casa tinha dois quartos e um chão de lajota, gelado de doer. O inverno foi chegando, eu dormia em cima de um edredom, sabia que precisava comprar mais coisas mas o dinheiro era pouco e fiz a seguinte promessa: se o Gabriel ficasse comigo, eu comprava um colchão. Comecei a relacionar minhas compras coma a evolução do nosso namoro. Se ficasse solteira, eu pensava, preferia usar meu dinheiro com coisas mais importantes, como roupas, cerveja e pizza no bar da esquina. Mas se ele quisesse namorar comigo, então eu podia abrir mão de algumas baladas e comprar um colchão, um travesseiro extra, uma xícara a mais.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Sobre o que lhe disse o oculista

O oftalmologista disse que ela não enxergaria mais direito; seu mundo se resumiria a borrões desfocados da realidade, certas coisas muito miúdas e alheias ao cotidiano, seriam, logo, invisíveis. Principalmente aquelas minudências que fogem ao pente grosso da vida: sensibilidades, boas maneiras, alegrias, pensamentos questionadores. Então, pensou, não seria exatamente uma doença, mas uma bênção; de quanto sofrimento inútil não lhe livraria essa imprecisão óptica progressiva? E havia a possibilidade do apagamento passar aos ouvidos e à mente. Só um detalhe, esse sim, importantíssimo como nenhum outro o é: havia coisas que manteria nítidas: as ranhuras das moedas e as minúsculas impressões nas cédulas do Banco Central.

domingo, 2 de novembro de 2008

Previdência

Era o tipo de marido que não tinha vida paralela, somente calma, contentamento e um emprego muito bom. Casou-se com uma esposa de peito chato, escondida atrás de óculos e um mestrado. Quem precisa de contrapeso? Juntos, tiveram um filho pouco viril e acordavam todos os dias por volta das sete, quando o sol já estava seguro suspenso no céu e a empregada já estava em casa fazendo torradas. Um dia arranjaram um cachorro, que cresceu e tornou-se um grande corpo preto e vivo no quintal. Chamaram-no Átila. E a empregada passou a limpar, diariamente, enormes montanhas de bosta que Átila despejava deslizando prazer. Sobre patas firmes, sem pensar no depois.
 

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