quinta-feira, 31 de julho de 2008

no tempo em que tudo virou mar

naquele dia andamos por entre o sol, as porteiras, as imensas montanhas marítimas e pedras e musgos – os quais chamaríamos mais tarde - lapsos. beduínos loucos no sertão, errando em busca da água e do poço. envoltos em panos rosa-choque e silêncio derramando dos olhos. a paisagem se estendia sem palavras, inventada oito vezes por oito mundos em um só tempo. nada podia deter os fluxos e os órgãos, porque ríamos e chorávamos tanto. e continuou inexplicável até o final da noite ou para sempre, quando no meio do céu avistamos uma ciranda de estrelas movendo e piscando 1 2. isso no jardim. lá na sala o i-ching na voz da mariana. na cozinha dois ovos perguntando como foi que tudo aconteceu, como foi que.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

opening time plaza mayor madrid

Meus 7 anos recem completos; janeiro. Brutalidade tremenda, entrecortada pela cavidade angulosa do olhar, opressao, meus pais, terracota, a grande praça y nos, embaixo da construçao, nao em meio ao aberto, mas protegida (por favor se nao fores eu nao leia) (respeite-me morta) (nao quero tua intimidade daqui para frente) e o mundo caindo nos ombros da face. E nas maos branco de pelucia, o coelho. E para confrontar, fugir pelo sentido, um nome que dissesse o coelinho branco, que nao me importava (objeto que cabia a mim enquanto criança) mas por ser do mundo devia ter um nome, e eu, que ja sabia ler -e isto era uma alegria- li isso mesmo na etiqueta: Alegria! el conejito madrileno, si, irrestrita de sentido, a saida mais agil do meu peso no mundo.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Adorando Baudelaire

Muito magro e algo, dois anos à frente da minha turma, um gênio segundo falavam pelos corredores, o irmão tirava sangue do pescoço de uma galinha e injetava no próprio braço, no filme que fizeram na faculdade. Talvez não fosse exatamente ético, trancara a porta do laboratório durante a madrugada para continuar trabalhando, sua colega reservara o horário e ficou batendo do lado de fora, ele não abria. Mais que colega, amiga, eram o grupo de gênios que observávamos com distância e espanto. Adorando Baudelaire, experimentando crack, cortando os pulsos. Ela, não ele, que dizia sorrindo: "melhor ser bonito e rico do que feio e pobre".

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Sobre o divino

Ela e seus cabelos esvoaçantes pegaram o bonde de manhã. E era uma moça que, por mais recatada que fosse, cahama a atenção pela sua beleza exótica e ar tristonho. Sentava-se e só saltava na última parada na praça da Sé. No caminho até o escritório, pensava na missa de domingo. Como o padre se apropriava dum discurso vendido? Se quase tudo está explicado e o motivo pelo qual deus e os deuses foram criados não mais se justifica, por que continuamos a ser crédulos como antes? Após a missa, que fora no dia anterior, falou com isso sobre a mãe e ganhou um tabefe, além do epíteto de herege, que, onde já se viu, uma mulher que tinha todos os sacramentos requeridos até ali falasse tamanho descalabro. Hoje, a raiva e a cara ardem.

domingo, 27 de julho de 2008

muito amor tantos centímetros modos rápidos ascese eiros vagos sim senão sertões papel amarelar seu selo no meu medo sem rodeios nem mensagens para o mundo antigo - oceano monstros vidros celas exercício cachorros mortos pela estrada coração mp3 tocando no fundo do meu um palpitar a linha ao fim alerta melodialess teu rosto um poço de feiúra você acha o fim de julho empastelado e a pele credo em greve dos correios meu parq amor mui dos parquímetros belê mortal num buio compromisso er lido do que escrevo gosteless quer fino e dentadura' quer fome e enervura' sombradias darco sítio sob asfalto quer beleza e profundura te um texto e nem mas sim e cada umbral no é

sábado, 26 de julho de 2008

dedicatória

mas tão bem. um lugar na árvore genealógica da família como um prazer recôndito, paradoxalmente moral. intensamente. tão bem. se minha mãe soubesse que cheiro cocaína, ela horrorizava. mamãe acha que depois de uma carreira você vê coisas e já não há mais saída a não ser o vício. depois de um tiro, tão bem. por enquanto o amor é pós-adolescente, pós-bosta e pós-xixi. são os descendentes, nova geração. aqui, agora, no banheiro, se minha mãe me visse e se meu pai me olhasse. eu sou a exposição cronológica da ordem. um enorme gozo me-olhar. vida financeira. minha vida minha casinha minha carreira.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

reticências

não sei exatamente o que acontecia - inexplicável. mas gostava de fazer isso depois que o sol se punha - é certo; depois que escurecia completamente. e a lua tava cheia aquele dia. antes: um sol rachando na cabeça, nos ombros, nos braços, nas pernas, na memória - que deu até marca, mas eu sei que isso nem importa. eu começava a pensar sem rumo. primeiro uma sensação longe, um certo intuir. depois vinha uma coisa mais nítida. ai, seilá. pensar sem necessariamente questionar - e vinha naturalmente. uma palavra seguida da outra formando tipo uma frase, isso. ou quase lá. de repente: esquecia. esquecimento dói. dói mil vezes. a coisa se perde e fica só o sentimento de que foi - era uma vez alguma coisa.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

foi num verão

Há uma vontade de não escrever, como um amor que estava para fazer cruzeiro de férias, mas na véspera alaga, bateaux mouche engolindo água, apocalipse! os filhos do encouraçado orfãos e no fundo d´água nada de lua-de-mel na lona a ver estrelas, nada de cortar o dedo nas ostra tudo e nada nada de papete pisando coral nem viseira tanta luz nem nada de campeão do frescobol, Churchill, palmas para mim. Cai e bate a cabeça num ouriço. No sonho as ostras têm osteoporose graças ao uso de petroquímicos. Percebes? Acordas e tomas sojas porque o Brasil é o maior produtor mundial de, e previne, do que é que me cuidava antes que agora? Sem planos, resolveu se afogar, rindo rindo do ouriço encalacrado na testa que fazia espirrar.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Zona azul

Estávamos no parque, carpas demais debaixo da ponte esperando uma migalha. Andamos pelo atalho e no fim apareceu à nossa frente a um ipê lilás, carregado de flores, sem folhas. Sem bateria na câmera, resolvemos fotografar pelo celular, ao menos a imagem como papel de parede, lembrar por alguns dias, flores contra o céu. Difícil enquadrar a copa florida, a margem quadrada do celular não encaixava. Incluí um coqueiro verde escuro, ficou ali no canto um espaço sem luz. Eu havia dirigido para chegar ali. Havia comprado uma folha de zona azul na guarita do vendedor oficial, R$ 1,80. Paguei a entrada para entrar no museu, bolsa, documentos organizados que sempre levo e nunca esqueço. Logística diária que organizo com cuidado. Me cansa tanto. Queria apenas ver a árvore, fechar os olhos e dormir.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Amanhã

Sua vida vai passando. Não escuta um barulhinho? Um roer lento, mas contínuo? Não vê que os capitéis e rococós que julgávamos marmóreos são, na verdade, de lenho de figueira, que já vai quase toda bichada e carcomida, apenas a casca está aparentemente intacta? Continuará acreditando na sua eternidade de flor de um dia? Na sua pretensão estúpida de querer deixar um rastro para a Humanidade? Que, aliás, não dará valor algum e tudo seu apodrecerá num depósito de lixo ao mesmo tempo que os vermes engarregar-se-ão de limpar-lhe os ossos - tão brancos! Não sente que cada coisa que você come e vai formar as suas células - esses pequenos Tietês - será o vulgar adubo das flores do seu túmulo? É, será sim.

domingo, 20 de julho de 2008

Freud explica

Quando o menino era só um fetinho sua mamãe trepou com um cara e ele sentiu o pinto do cara roçando na sua bochechinha. Aí o menino nasceu, foi coberto de algodão azul e quando tinha cinco aninhos pediu pro amiguinho do prezinho esfregar o pipi na bochechinha dele. Aí ele cresceu mais ainda e começou a esfregar vários pipis de vários caras na bochecha e em muitas outras partes do seu corpo. Aí a mamãe dele descobriu e mandou o menino pra psicanálise e o terapeuta hipnotizou o menino fez regressão e descobriu tudo. E enquanto o menino estava hipnotizado o terapeuta aproveitou pra esfregar o pipi do menino na sua bochecha, porque ele tinha o mesmo problema.

sábado, 19 de julho de 2008

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Como eu quero - Leoni e Paula Toller
"o que você precisa é de um retoque total" – o ruído quase estourando o celular, tudo menos uma caixinha de música. exceto pelo mau gosto fatal, cortante. Antônio pirando – observei da janela, quentinha. a maquiagem bem que poderia estar melhor. Antônio sem bermuda. levantava o braço direito e rebolava. dobrava a perna sobre o banco, agitava uma enorme fita vermelha na testa. de repente levantou o criado mudo com gestos amplos, longos. circulou pelo espaço, muito balé. tudo errado, o móvel caiu, ficou manco, apontando para baixo. o barulho foi tão estrondoso que a vizinha de baixo chegou à janela. pouco depois Antônio amarrou a fita na maçaneta de uma porta, agarrou-se a ela, uma dança a dois.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

silêncio (9)

Ontem juntei os papéis e tentei organizar os mapas que você fez de mim. Às vezes confundo o susto (de verificar de novo que você me conhece melhor do que eu) com a idéia de que você concorda com meus modos e ritmos. Outras vezes, a sua precisão cortante me soa como produto de uma mente racional demais, distante demais, parece que você desistiu de mim. E então eu leio, no canto de um mapa que tinha antes me passado discreto, que eu interpreto tudo o tempo todo, que dou a tudo o sentido dos meus humores. É como se isso te segurasse ou me segurasse em um ponto intermediário entre uma entrega irrestrita e sua partida imediata. Consigo já prever suas restrições ao meu raciocínio pouco matizado e sei que você vai me surpreender.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

em algum lugar

tinha o quarto, as paredes verdes. o teto branco-estático. a cama sempre ali: deitar, sentar, levantar, deitar. tinha a sala, o sofá bege, um silêncio partido, entrecortado, e a gente lá: sai da cozinha, entra na cozinha, vai da sala para o quarto e por favor fecha logo a porta da varanda que é pra não. ninguém sabe o limite da memória, ninguém se lembra. mas sei que tinha uma narrativa interminável que unia os cômodos, um e outro e outro, distanciando cada pessoa. e dentro deles os afetos galopando. um pouco depois disso veio o desejo de fugir: "eu vou" - tirar tudo de dentro dos armários. rumo ao litoral. ao vento estendendo o nosso encontro para fora. e as paredes se desfazendo. acho que foi domingo de manhã.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

não se sabe a quem, mas por ventura amar

Aos homens, assim como à palavra, estou desde que me recordo, inafiançável. O acaso do talento e da paixão não cura, antes é revolver. E precária, tentei o entendimento do Édipo, do pau do outro, da fumaça, do doce que me libertaria desta sina. Agora solta em não entender me escuso aos poucos da murcha flor da culpa que me batem aos ombros. E minhas pernas ficam fortes tão mais nada consegue embrutecer meu coração. E vou vivendo cúmplice de um drama só meu, coreografando improvisação, sempre bandida ladra cafajeste puta à meia luz e eu mesma sempre à rua, no lado ensolarado de quem sai de casa, asas largas, sempre tão clara, compulsiva e discreta, sempre rindo e sempre sempre com essa escrita, com um homem, pelo amor.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Miranda & Memórias do Cárcere

Perdi o sono durante a noite e peguei dois livros abandonados há semanas no criado-mudo, aliviada porque terminei a disciplina sobre Machado de Assis e não preciso mais pensar nele e volto aos meus livros queridos que eu mesma escolhi. Durante o curso ele parecia tudo o que merecia ser lido no mundo, mas no instante em que o compromisso acabou ele voltou para bem fundo na minha lista. Como brigar com alguém e no dia seguinte perceber que isso era tão evidentemente certo e já deveria ter sido feito há muito tempo porque a pessoa não faz falta nenhuma. Uma psicóloga, uma amiga, um emprego qualquer. Eliminar radicalmente: chega, já foi, já deu o que tinha que dar.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Manifesto pela língua incomum

Leio o que quero quando se fala de notícias. Por isso, só sei o que quero saber. Nada de moças que somem em canais ou meninas volantes, e vê, que á imprensa muito lhe apraz esses assuntos. Fiquei matutando sobre um certo "Manifesto por la lengua común" que uns castelhanistas de meia-tigela querem impor a todas as Espanhas. Como se o castelhano já não fosse suficientemente imposto, querem acuar as línguas regionais; lembrei de alguém, vassoura em mãos batendo num cachorro. Por que temos de falar todos a mesma língua? Que há de mal? Gosto de falar português, gosto de escrever em catalão, gosto de pensar em italiano, gosto de fazer bilhetes em castelhano. Vargas Llosa que vá dormir e esqueça-me, faça-me o favor.

domingo, 13 de julho de 2008

Saco de areia

Papai me chamava de "tomate", ela é gorda mas tem um rosto bonito, a senhora precisa emagrecer, tá vendo aquela gordinha ali?, gente gorda é mais simpática, o que importa é a beleza interior, olha a diabetes!, "cadê o tomatinho do papai?", vou começar a hidroginástica, eu te amo mesmo assim, a filha da Sirley fez aquela cirurgia, gorda-baleia-saco-de-areia, você viu no Globo Repórter?, cuidado com a pressão, mas você está mais magra!, ela era vasta e ruiva, pra homem é mais fácil, adquira agora o seu diet shake, cuidado com o colesterol, esse número acho que não vai servir na senhora, quem gosta de osso é cachorro, não, não chora... Não chora... tem gosto pra tudo, imagina, menina, isso é coisa da sua cabeça!

sábado, 12 de julho de 2008

planejamento

era um momento solene - finalmente a casa própria. abri a porta, repirei fundo, me espraiei, me alegrei, saí andando, estava em casa caralho! o apartamento só com a mobília que a ex de A. não quis, vazio, uma puta abertura, mil possibilidades. no chão do hall, a garrafa térmica, companheira, com café velho. Termolar. peguei o coador e passei por cima de tudo, fiz café sem saber por quê. o trabalho esperaria chegar a noite, no computador se dá um jeito. fui até o armário e me arrumei, fiz um penteado com a fita de veludo, depois muita sombra e blush. com o lápis de olho fiz um traço que acompanhava a parte de baixo da sombrancelha. me senti perverso e diabólica – uma gargalhada inesperada na frente do espelho. beijei o chão, fiz careta flamenca, liguei música no celular e começou algo que ainda vou ter que entender.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

silêncio (8)

Ou então, percebo agora uma outra possibilidade, querer viver o presente era um jeito de esconder nossa falta de jeito de cumprir os planos. A gente achava que ser livre era poder mudar de opinião o tempo todo. Pensar-nos livres assim nos era favorável na medida em que não conseguiríamos manter nada por muito tempo. (E aí você se lembra de quando eu decidi estudar xadrez em Omski e mantive essa escolha por dois anos enquanto aguardava que eles me chamassem. Eu não via diferença entre insistir em uma idéia simples e combinar uma seqüência de decisões, embora soubesse, sobre o tabuleiro, distinguir uma escolha, uma idéia e um plano.)

quarta-feira, 9 de julho de 2008

a beleza compreendida de clarice

Por trás desse vidro está Clarice, vendendo os tiquetes do Tram. Imóvel, Clarice corre pelos trilhos, sozinha, alguém se lembra dela em alguma parte? Quieta na sua inquietude, amarra os lábios interrogativos e por um ou dois momentos diários pensa meu deus! que vontade de morrer! E se nesse momento Clarice se lembra que um dia morrerá como tudo o que é, sente um alívio, suspira baixinho e vive, finalmente, para sempre. Até que alguém se aproxima de maneira abrupta e ela reage fechando a cabine, ofendida porque o outro se ofendeu e, por uma terceira vez pensa: quero morrer. Mas e se fosse para sempre? Não, esta linha 7 não pode durar tanto. E como sente saudades da 1, quando tudo era mais fácil porque tudo era importante.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Espaço estável

Em algum momento os professores passaram a ser minha referência mais importante. Não todos, um de cada vez. Começou talvez com a professora Pilar, na quarta série. Agora, escrevendo, o significado de seu nome me salta aos olhos, numa coincidência assustadoramente simbólica, já que real: pilar. Foi um deslocamento emotivo que só percebi muito mais tarde, depois dos trinta anos. Quando a escola se tornou o único espaço estável e seguro para mim. Esse mecanismo se tornou o centro de minha autoconfiança, precisei compreendê-lo e bloqueá-lo quando acabou a faculdade: o esforço nas tarefas e a dependência do elogio.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

A Cidade e a Árvore

É difícil adaptar-se a uma cidade onde, literalmente, cai-se de pára-quedas. O nome das ruas, a língua das calçadas. Você já leu as placas que se têm como trilingües? Depois nós que temos a fama de falar portunhol; eles escrevem em castuguês, então. Como parece doce o som de uma língua que, até então, era como uma aranha no terrário, tristonha, e agora ela toma corpo, como a aranha caçando moscas na sua floresta natal. Gosto do castelhano dessa gente, gosto das placas de rua. Algo me diz que vou sentir uma saudade imensa daqui. Inclusive desse carvalho, broto do carvalho de Guernica, essa árvore basca que protege a cidade; o vento, soprando nas folhas, assobia o zortziko de Iparraguirre, às costas do brônzeo Juan de Garay.

domingo, 6 de julho de 2008

Por delicadeza

Você não se dá uma chance. E quando acorda no domingo, e é manhã, os sabores lentos do lençol. O café sussurra pelo filtro, as crianças ressonam no quarto, você escolhe a sua camisa mais bonita - para não usar. Quanto tempo nas frestas bolorentas e nos vincos de cocaína perdidos no caminho para casa, o chão de azulejos e a vida limpa, estralos vazios de promessa e ventania, sem curva. Não quero as coxas no metrô, os lábios gulosos sobre a nuca ou a tensão dos dedos do erro. Será uma tarde cheia de certezas a sair de um forno grato, tímido, contraído e descansado - e a cozinha eu quero clara, fresca, presente sob os chinelos - e bonita, tão bonita.

sábado, 5 de julho de 2008

X

comi um pão com queijo e uma banana, que trouxe na mochila. a cozinha estava desconfortável, uma poeira danada. haviam quebrado a parede esquerda, o que agregou o quarto de A., que aliás não era mais dele há 4 anos. não sei por que insisti no fato de que estava dessacralizando. abri o armário de mogno e observei durante muito tempo a maderia incrivelmente machada. tive um pouco raiva. a porta esquerda estava cheia de obscenidades. em meio aos ternos encontrei um enorme cordão de veludo vermelho, que amarrei na cabeça. andei por toda a casa completamente sem rumo e decidi que iria ficar. liguei e pedi que os pedreiros derrubassem as cinco paredes na segunda. marquei um X imenso em todas. queria que a casa fosse um só cômodo.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

uma volta por aí

tá se perdendo no tempo. qualquer coisa é só jogar no bueiro. e não tem que fazer sentido sempre. nem sempre, nem nunca. e nada de novo existe. tudo é uma questão de instante e o instante é de qualquer tempo. se repete sem limite específico, como que fora de qualquer estação de horas. eu me realizo na prática, te disse ontem. qualquer coisa é só jogar no bueiro. não precisa entender. teorias às vezes são impossíveis. a gente tava andando na rua fumando um. caso a polícia aparecesse a gente dava um jeito de sumir com aquilo. me passa aí. qualquer coisa, você já sabe. nenhuma prova concreta de nada. penso enorme, pra fora. e continuo andando com muito cuidado.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

a criação do mundo, Kurtius (*1984 - + 20__)

pra Vera
E as pessoas se assemelharão com peixes, dando a vida na vitrine das coisas, manequim-espantalho ou pessoa que hesita dois passos de cada lado do mostruário. E, de mais difícil manipulação, de vidro, mais translúcido, mais quebrantável, o mundo de vidro de ciclos em ciclos se afasta do que os modernos vieram a chamar de sol: a parte de dentro do estômago do gigante-cego, que devolve os cacos da sua digestão profunda pelo umbigo e leva a pequena bolita amalgamada à boca de sua esposa giganta (e surda), que faz o mesmo por ele. Onde o fragmento encontra o fragmento. O movimento completo dura um só segundo no tempo-gigante, mas enquanto o casal mastiga os cacos de vidro é que ouvimos o ruído surdo da noite.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Lago vermelho

Com oito anos sonhei que estava numa espécie de inferno e torturava a professora Lígia, mergulhada num lago vermelho. Estranhamente o lago e o inferno ficavam dentro da biblioteca da escola. Não significa o óbvio, que a biblioteca fosse o inferno para mim. Justamente o contrário, era o meu lugar, onde me sentia poderosa e podia odiá-la e machucá-la. Um ódio que eu sentia mesmo acordada e me deixava confusa, porque no começo do ano eu a adorava. Era atenciosa, feia e um tanto velha, mas sedutoramente boazinha. Quando percebi seus erros em aula, me senti enganada. A bondade se revelou um disfarce de sua incompetência.
 

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