quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

do outro lado dessa ilha

Ar fa um in fe li z me n te. - - - - A chuva rasante. - - - Alguém se rasteja por uma parede - - - Amanhã de manhã você dorme. - - - Branco branco branco. - - - Estamos em Assunção, virgem em saturno paraguaio. - - - Tu tu tu tu. - - - Ocupado? - - - Ninguém tem sinal nessa festa? - - - Telepatia e teoria about. Know how? - - - Cisne, asno, gaivota. - - - Porcelana, bibelot, marreta. - - - Desisti das heranças. - - - Só tenho a ti, onda que vai. - - - Aturde, nutre, incêndio. - - - Pequeno abutre se alimenta de salsugem - no papel - Quem vem lá sou eu. - - - Ass: As raspas da champagne que você bebe. - - - Samambaias, avencas, abraços. - - -Espuma branca luas claras nas varandas. - - - ps. Feliz ano novo, meu amor.
8 8 8

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Charada de seu Teófilo

Sete linhas mal preenchidas e uma charada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Pita matou quatro, quatro matou sete . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . Dos sete escolhi a melhor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Atirei no que vi, matei o que não vi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Com a madeira santa, assei e comi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Sem tirar água do céu ou da terra eu bebi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . E com isso cheguei aqui.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Na rodoviária

Toda uma confusão de filas. "Quero ir pra Campinas! e não tem passagem!", escuto de soslaio. E prà praia? Quem quer ir? Mil mãos candidatas a levantarem-se. Para ir até a minha cidadezinha e deixar a megalópole onde me fiz a vida miserável, preciso de dois ônibus, porque não há ônibus direto. Levo a mala, mais a valise de mão: toda palavras-cruzadas, livros, poesias, cadernos de escritas. Meu pé! Mas que conho! Por que não olha por onde anda? Por que a gente tem de ir ver a família obrigatoriamente nessas épocas nefastas de fim de ano? "E pra Bertioga, tem?"; terei de ficar-me estacada quatro ou seis horas esperando o ônibus. Depois, mais umas esperando o ônibus para a minha cidade. Bom ano-novo, senhora. Puxo meu dominox e a caneta.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Próspero, Caliban

O corpo limpo e perfumado, risos ao redor - para ele, a virada do ano tinha sempre uma aparência de cadáver bem cuidado, ele em vestes brancas virilhas secas no velório de um ano bonito e iluminado, sem os sinais da quimioterapia, sem os estertores de dois minutos atrás. Este ano eu pus cueca rosa, para dar amor. Os parentes se acotovelam para ver Copacabana na televisão e o maior reveillón do mundo acontece bem aqui, embaixo do nosso nariz, onde um porco inteiro assado e morto diz muita gordura para o ano que vai nascer. A paz também veio prestigiar, na forma da prima alcoolizada que canta “irmão, é preciso coragem pra seguir viagem quando a noite vem”. Mas 2009 será um ano bom, como nenhum outro jamais foi.

sábado, 27 de dezembro de 2008

a compreensão do néctar

a verdadeira monotonia só existe no lar. a monotonia traz a casa, um milagre - cotidiano. a casa é feita de cor de chuva vista pela janela. um tom? a janela não é uma escolha, sem chance. a arte não é ato de vontade, pasolini dizia que a técnica vem antes, estava certo. derrubando as paredes e fazendo do apartamento um cômodo único, meu projeto não pararia em pé. o concreto vira um grande saco cheio jogado no chão. a questão é: se a intuição que tive não era ela própria uma obra. um estalo. click fotográfico, alguém precisa saber? produzir é publicar? publicação é produção? tornar público é fazer? a obra é vida não enrustida e talvez nesse sentido mataram a arte, e eu também matei. algo eu queria descobrir aí só e simples.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

A Zeladora

Um mp3 no bolso do uniforme. Só um dos fones no ouvido. Luva na mão. Abre lixeira. Esvazia lixeira. Fecha lixeira. Pega bandejas. Limpa bandejas. Separa bandejas. Azul, Burger King. Verde, Mc Donald’s. Cinza, Girafas. Detestava copos descartáveis. Olha a colega de uniforme e sorri. Troca música. Apalpa seio. Aperta mamilo. Segue para o vestiário. Tira o lixo das lixeiras do carrinho. Guarda o carrinho. Tira a luva. A colega aparece. Tiram o uniforme. Olham o relógio. Têm dezoito minutos. Apalpa o seio. Dela. Morde os mamilos. Dela. Troca música. Separa cada parte. Sua. Junto com cada parte. Dela. Senta a colega no carrinho. Desliga a música. Tira as pilhas do mp3. Restam cinco minutos. Será que as pilhas vão agüentar?

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Diário de Estância, VI


Natal de 2008, no dia da morte de Harold Pinter. Pausa. Houve uma longa pausa na praça onde nada sei. Todas as árvores da minha rua levam postas voltas e mais voltas de bijuteria barata. As contas acendem. Não piscam, dão uma luz estanque que me faz pensar em polaróides recém-tiradas, em Zsa Zsa Gabor, talvez, fazendo a senhoria siderada de “The Birthday Party” numa montagem mal-sucedida em Vegas, 1967. Eu dançaria, eu me largaria num vero showstopper, fosse este o ventre rhinestoneado de todo o Universo. Mas houve uma longa pausa na praça onde não liguei para ninguém. Meus heróis morreram de velho mesmo. Saímos, Anna e eu, encontrar com Gabriel. Nunca sabemos ao certo em que lugar do país ele está, é das coisas que nos fazem amá-lo.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

véspera de natal

Não conseguia entender porque a data era no 25, se era sempre um almoço melancólico, enquanto a vida noturna da véspera enchia de palpitações a minha casa a que todos vinham, o antiquário da cultura nacional. Aos 6 anos, não sei a fama ou o som, ter uma guitarra era minha vida mas ganhei a casa da Barbie. Meu irmão fez a caixa descer pela lareira, risadas de felicidade, mas todos comigo diziam que era do Papai Noel pra mim. Eu não queria os holofotes daquela encenação. Senti um constrangimento enorme pela farsa e saí correndo pra escada, onde me escondi no escuro e fiquei chorando constrita em voz alta alguma frase. De longe, riam. Minha irmã veio me salvar. Eu não entendia porque comentavam minhas histórias uns pros outros.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Mandala 2

A mandala tem vinte centímetros e eu queria pendurar na janela, em frente ao computador, para absorver seus sinais pacificantes e lembrar de minha mãe. Mais fácil seria amarrar o fio entre as grades, sem bater prego nem nada, somente dar um laço apertado. Mas há apenas quinze centímetros nas frestas. A mandala é de vidro e não sabe dobrar. Há o vão entre a janela e a grade, um bom espaço, casa antiga com o vidro recuado nessa espécie de caixote. Peguei o martelo e alguns pregos de aço, em dúvida. O receio se confirmou: um caixote de concreto sólido, teria mesmo de ser, a grade está “chumbada” como dizem. Um dia talvez eu aprenda a usar a furadeira. Por hora, apenas catei uma ripa de madeira na oficina, encaixei transversalmente e bati o prego ali.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Texto para cartão de Natal

Natal é tempo de histeria. E como já dizia Freud, histeria é algo que pega, contagioso feito lepra. As gordas madames que empurram seus carrinhos nos supermercados: o menino-jesus é um pedaço de tender. Que delícia! E reis-magos de castanha e damasco; panetone, o muro-das-lamentações de panetone. É tudo um paraíso-celeste de figo turco. E as crianças que choram pelo papai-noel e os shoppings, apelativos como nunca na sua decoração de natal outubrina; Natal é todo um encher-se, rechear-se, regalar-se, tempo de ataques apopléticos, congestões e bebedeiras homéricas. Começa-se desejando feliz Natal e, depois de mil-cervejas e dez garrafas de vinho vagabundo, manda-se todos tomar no cu.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Que bonitos ojos tienes (3/3)

Agaraneime futum galinha preta a outra era quaquá até não poder mais Rafaella não gostava muito dela não tinha tempo para não gostar ainda mais vestido preto? calça jeans? Do apartamento da Jacira foi comboio com as duas pro enterro mais ninguém ver o despacho encomendado moço deixa o caixão aberto dois minuto faz favor na vala ao lado três boliviana e era domingo abre o caixão ------ Jacira, babadeira, morreria se não fosse o defunto - picumã apatá silicone cadê? Boliviana coruja amapô vem ver olha pras duas "¿era vuestro hermano?", Rafaella chora enrustida, a outra aparvalhada: no caixão tá um ocó maricona até chuchu na cara! "tán joven", fala, "¡y que ojos tán bonitos!" - Jacira sempre teve lindos cílios.

sábado, 20 de dezembro de 2008

ninini

tocaram a campainha. abri a porta. tenho pensado ultimamente que devo ficar em casa, relaxar, assistir a um filme e sair só no sentido de ir à cozinha, porque a cozinha tem servido como uma saída. mentira. só no sentido de encontrar comida pronta. enfim, tenho refletido sobre estar em casa, a casa como abrigo ou como santuário, algo que não sei mais o que é. sei muito pouco sobre o abrigo e sobre comida. não sei dizer ao certo o motivo, uma necessidade de Ar talvez. durou anos, o desinteresse por abrigo e a urgência de rua. "vou pra rua", dizia com vontade. agora abro quando tocam a campainha e me interrompem. na porta aberta, um rapaz moço homem. ele me deu um beijo e saiu. aceitei de bom grado, fechei a porta e horrores.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

colméia de cães

Ela se limitou a dizer que estava bodada porque o sol cansa. Preferia ficar sentadinha na poltrona com a luz apagada. Quem quisesse chegar mais perto teria que ignorar qualquer tipo de pudor. Ela não tinha nenhum. O dia todo de mini-saia. Ficava com a perna aperta para que os cachorros a lambem-se. Rottweiler, Pequinês, Basset, Pastor Alemão, Pinsher (do número três pra cima), Rusky Siberiano, Bulldog, Poodle, Pitbull, Collie, 101 Dálmatas, Yorkshire Terrier, Fox Terrier, Terrier Brasileiro, Dobermann e todos os vira-latas. Se surpreendia com as raças raras e com as combinações. Nunca se importou em nomeá-los ou qualquer coisa do tipo. Eles também não sabiam o nome dela. Nem ela sabia. E a cada pôr-do-sol, lá estava ela. Bodada e lambida.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Diário de Estância, V


Cláudio esticado sobre um banco. Veste os trapos de frio, trata-se (como todo o resto) de um inverno fora de época. De lado, cabeça apoiada no molho de mãos. Entre (estamos) pombos, triciclos, um obsceno casal de poodles se roça sob a mirada divertida dum tipo de óculos. Diz que ele perdeu a cabeça no longo dos setenta. Simeão on acid, desde então tem levado seu deserto muito quieto. Ao que me consta. Vez em quando me acena e gesticula um cigarro, por favor. Bafora para cima, discreto e satisfeito, debanda. Não me olha nos olhos. Isto é um trapo do Cláudio, justo o que o torna inesgotável. Alguém começa, não poderá nunca ser interrompido, ou despistado, ou completo, Peter foi para Belgrado e eu não telefonei. Tampouco escrevi. O tempo está passando, e eu não estou ficando mais ateu.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

madonna mia

This is the story of my life. Acontecendo: a massa rebarbativa cresceu por meses nas minhas entranhas de flor crescendo a estranheza de gerar um ser completo, até expeli-lo, e vingado assim da minha carne: um ser, como a lua, a parte de mim e por nós visto, sentido amadurecendo no céu dessa quarta-feira, em diante. Se eu tivesse um gatilho nas mãos, uma forquilha de sufocar passarinho, não sei o que seria do menino dessa mãe esnobe que não tem o que comer. Falta: dinheiro, açúcar, gavião. Quem mandou essa galinha botar no mundo? Sento-me no chão a chocar a dúvida com o poema no colo, não sei quem consola a quem, os dedinhos sujos de fuligem. Céu da Brigadeiro. Esse aí nasceu fudido.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Mandala

Esse é um texto leve com algumas palavras enfileiradas preenchendo linhas para descansar a mente como uma música. Eu estava na cidade onde nasci, visitando minha amiga e minha mãe, e subimos a ladeira de paralelepípedos saindo do bebedouro onde os tropeiros deixavam seus cavalos bebendo água há tantos anos, subindo até a igreja, a praça do relógio onde fica a escola de balé em que estudei com tia Dora. Minha mãe aprendeu xilogravura e está apaixonada por mandalas que relaxam os olhos e trazem paz. Queria me dar um presente de Natal, era domingo e a ladeira estava cheia com as barracas da feirinha de artesanato. Subimos entre centenas de pessoas mas a multidão não me assusta, não mais. Chegamos à barraca do homem, minha mãe disse para eu escolher a mandala mais bonita e escolhi.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Tempo

Quando levei Lênin para passear, pela manhã, meus olhos divisaram algo dourado na calçada, parecido com uma moeda. Lênin avançou sobre, e tive de controlá-lo com a coleira até que eu pudesse abaixar-me e pegar o metal reluzente. Era uma engrenagem dourada, um disco dentado, desses de relógio antigo. Que coisa. Sem mais, pus o disco no bolso e fomos embora. No dia seguinte, outra peça, no mesmo lugar - quieto, Lênin! - uma roda dentada e vazada, grossa uns cinco milímetros. A pus no bolso com cisma; quem está a desmontar um relógio e deitar as peças pela calçada? No dia seguinte, eis-nos com outra peça. Olho para o alto e vejo, pendurado no nada, logo acima das cimas dos telhados, um relógio-cuco aberto e eviscerado.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Que bonitos ojos tienes (2/3)

Diz que a Jacira tava na pista fazendo ajeum distraída atrás de uma banca tinha atendido um cafu do babado atolado no aqüé e ela na mortadela por que não um filé quando veio um careca de neca pra fora pergunta "cê gosta?" ela disse "nhoé!" fazendo o recreio saiu logo veio outro careca esse sem neca e outro e outro a Jacira gagou correu pela rua gritando "me ajuda" - "Quem veio?" - você e mais ninguém - puta traveca quaquá bronzeada é menos que nada só vale o jaule das alibã que viram Jacira lhe deram um coió deixaram rasgada na calçada - "Mas quem acudiu?!?" - nunca, nunca, nada - as careca alcançaram - o resto - imagina - a gente que pode imaginar. / A bilu desmontada chorando no degrau me deu uma chave. Eu fúcsia, bege - escarlate - / aqüenda a fechadura, aqüenda a bagagem, aqüenda tudo dentro, aqüenda - o apartamento.

sábado, 13 de dezembro de 2008

então é natal

esculturas de plástico no gramado centenário sul-americano: todas luminosas e monumentais, menos papai noel, apresentado em tamanho real. bengala bicolor, bola para pinheiro, presentes embrulhados. os laços dos presentes, frondosos, apertados. milhares de lâmpadas no ar, nas árvores, nos olhos sedentos. moda do séc. 21: as lâmpadas brancas que não piscam. digo sem cor e pisca-pisca, vê lá. decoração ligada! é natal, sonho, sonho de natal, dormimos com a decoração ligada! mixirica, me dá uma mixirica sim, de natal, vermelha. moro aqui em BH, Savassi, que beleza. mixirica.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Diário de Estância, IV


Peter foi para Belgrado e eu não telefonei. Gatunei toda a correspondência entre meu avô materno e sua mãe, passo o dia vendo fotos de velhas estrelas de cinema e de noite saio e encho a cara. Disso tudo, resulta que a praça me segue estranha. Sigo exaurindo as benesses da liberdade. A História me esgota. A Filosofia me esgota. Juliana em Cascais, com as filhas e o marido. O homem não veio ver a respeito do taco saltado, culpa da obra no apartamento ao lado. Esqueci o aniversário de um amigo muito querido, estou botando suor pelas têmporas. Talvez ele tenha vindo, mas eu durmo uma pedreira, não escuto nada, talvez ele tenha vindo dois dias seguidos tocado e tocado e eu, amargando princípio de febre papel amarelento Jane Russell de maiô e braços abertos. Tudo é possível.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

cochabamba

A gente leva a cidade onde quer que vá. Meu sotaque entedia. Atracadouro, Guadalajara, Peruíbe. Acordei querendo, o mar flutuava. Sou um jato. Nenhum Brasil existe. E os pernilongos a coçar, amigas a me olhar como se minhas mãos de estivador passassem a noite a beber com putas numa tasca. Mas, por ser quem deveras sou, yo estava mirando latino-america, desnuda. Vesga, a falar uma língua periférica, implodindo infernos pelos bolsos, meu lado oriental exilou, especiarias de pirata, dissolução. My tropical woman, gingando explosivos no quadril, descendo por todas as ruas. Não é preciso temer, soy la niña que sueña granadas de amor. Escuta, tengo ternura, cariño, paúra: las montañas, las meninas, los perros, ustedes.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Ninguém aguenta

André, respondendo à sua dúvida, queria apenas dizer que não sou jornalista, mas até onde entendo as matérias de um jornal devem atender a uma mesma proporção difusa entre vários interesses humanos: dez por cento de coisas raras (como as bandas que você gosta) e outro tanto de coisas normais, fáceis ou conhecidas, como você queira chamar. Ninguém agüenta uma vida inteira de novidades: a repetição acalma, faz refletir, amplia o entendimento de idéias que são difíceis apreender à primeira vista. Para te responder completamente, deveria entrar em questões mercadológicas da indústria musical, mas não quero. Somente prefiro dizer, se você me permite, que é preciso ter um pouco de paciência com os outros.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Uma idéia roubada à revista

Desde que seus recursos lhe permitiram, não saiu mais de casa. A vida feliz que sempre sonhara agora estava ali. Aposentado, tinha o tempo que quisesse para ler todos os livros que não lera e ver o que lhe viesse à cabeça. Algumas pessoas que se aposentam dizem que não podem ficar-se paradas; é porque são analfabetas, possivelmente. A poltrona confortável, o computador, as compras entregues na soleira da porta do apartamento e nada de gente. Esbarrar nas pessoas, disputar espaço em filas e na condução. Arre! Mesmo num apartamento cercado pelo lado de fora por pastilhas corroídas de poluição, há lugar sim para a natureza: eis ali, no canto, próximo à janela, um terrário. Há minhocas e tatuzinhos-bola. Para quê mais?

domingo, 7 de dezembro de 2008

Que bonitos ojos tienes (1/3)

pro Otavio Chamorro

Refeita na Europa, Guarulhos aguarda, passa os alibã picumã gisele já não faz a bombadeira: luxo, enche o pulmão, aperta os seios silicone sutiã, boa-noite-brasil, pega o táxi, o chofer aqüenda o retrovisor zalene linda o peito estufado, de salto e hematoma, não quero mais eurodeputado, Paraíso, Consolação, tá sônia braga na Ipiranga, bagagem no elevador, até aqui só no carão. Fica na casa da Jacira um dia, um mês, ou dez, amiga bowa, Milano sem você ficou frapê, tava com banzo, bato na porta, cadê? Senta na escada, espera, meia hora, tudas mala o chapelão. A campainha. Cadê Jacira? Uma hora. Quase indo embora e vê subindo uma desmontada, chorando louca. Colocada? Ela senta do meu lado, "você é amiga da Jacira?", me benzo, "que aconteceu?". A Jacira morreu.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Colônia de Fungos

Fungos cresciam na sua pele durante a noite. Acordava sempre com o corpo todo branco tomado pelo bolor. Já tinha feito de tudo. Dormia de cortina em lençóis esterilizados. Tomava banho de duas em duas horas. Por fim, trocou o dia pela noite. Nada resolvia. Passou a usar tubos metálicos no nariz para que a colônia não lhe impedisse de respirar. Já na boca usava uma bexiga cheia de farinha e muito batom pedido em revista. Certo dia resolveu dormir dentro da piscina. Três semanas depois já respirava sem ir à superfície e bactérias zinguezangueavam em seus músculos.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Diário de Estância, III


Que quantas filigranas se estendem entre ele estar morto e esta coca-cola desempregada! Por exemplo, a praça. Não sei de sua história. Mas o problema da História é justo esse, de uma vez que se começa, a coisa perde qualquer encalço de fim. A História não esgota nada. A Filosofia não esgota nada. Peter, talvez Peter saiba de alguma coisa, devo lhe falar antes que vá para Belgrado. Esta é uma página cega. Deu praia, não lembro dum céu assim azul, duma lixeira tão laranja. Dezembro. E passa o moleque-filho-do-jornaleiro, de bicicleta, falando alto sozinho, gosto do moleque-filho-do-jornaleiro. Eu também falava sozinho nessa idade. Estou pensando na seqüência final de “Yentl”, Barbra oferece ambos os perfis à própria câmara, depois desafia (frontal, alegre): papa, watch me fly.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

o poema sem título é do cão

Sou para mim mesma como um cachorro, às vezes o chamo de filho e rolo a bolinha vermelha. Nem sempre ele vai atrás. Embora no escuro vá me rangendo os dentes é um dócil e depois de latir rebola a cauda pras visitas. Passo semanas sem vê-lo enquanto na mesma sala empilho papéis, meus jogos de montar, enquanto ele, esquecido, dorme. Nunca a céu aberto, embora finja, às vezes, a loucura dos mendigos, não sabe suspeitar a chuva, nem nunca confunde trovões com estrondos nas noites de festa, quando soltam os artifícios. É tanta luz do dois olhos que dele no céu se confundem às vezes o fogo cão me cega e eu lhe sigo, em órbita, a lambida na minha mão, ternura onda a se criar sobre meu dedo. Volto a ter mãos, patas não.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O escuro

Palavras de meu pai explicando um enredo de Dylan Dog: "o advogado diz que o escuro é um reservatório enorme e infinito, depois diz que o escuro não tem começo e não tem fim, o escuro existe mas também é o nada, no escuro as coisas reais viram sonhos e vice-versa. Não é por acaso que a Kelly diz que o seu monstro é o escuro, as palavras em negrito, as próprias letras escuras mostrando a estranha dimensão na qual viajamos todos os dias. Então vamos comparar isso com o Soares. O Soares não sabe de onde veio, quer dizer, o passado pra ele é uma coisa escura. Ele foi até os oito anos criado pela mãe, a mãe morreu, o pai desapareceu, entregou ele pra alguém e sumiu no mundo." Epaminondas Soares era meu avô.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Cartão de Natal

Nada pior que ter de arrancar idéias às pedras. Penso nas pessoas que têm de obrigatoriamente fazer algo. Quer coisa pior do que, por exemplo, escrever um cartão de Natal, ou uma dedicatória de livro? O fulano fica lá, com uma "prisão de mão" na mão que não lhe solta nada. E aquele monte de chavões que vêm como abutres famintos buscar a mão e sair pelas pontas dos dedos ou por aquela da caneta? Passa, fora! Um pensa, pensa e pensa, põe os amendoins para funcionar, cerra os dentes até que os olhos fiquem vermelhos e o pescoço cheio de veias de um dedo de grossura. Finalmente a caneta se arrasta sobre o papel rugoso do cartão. Não, não é possível! Forma-se, a olhos vistos: "Feliz Natal e próspero ano novo!"
 

Free Blog Counter
Poker Blog