terça-feira, 30 de setembro de 2008

Chegou ao portão

Não lembro se disse exatamente: “fazer amor”. Eu não conseguiria lembrar as palavras exatas, foi alguma metáfora. Ela contou que estavam na aula de música, todos sentados no chão. Alexandre sentou ao seu lado e fez o convite. Queria encontrá-la depois da aula. Ela disse não. Ele respondeu “Então fica pra sábado”, mas falava baixinho por causa da professora e ela entendeu “vamos sair abraçados”. No fim da aula andou devagar pelo corredor, esperando que ele viesse abraçá-la, mas ele não apareceu e quando chegou ao portão ela o viu já na esquina. Ele gritou: “No sábado, então!”, e foi embora com os amigos. Foi então que ela percebeu que tinha confundido “sábado” com “abraçado”.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Sobre o esquecimento

A sensação de sair de casa achando que deixou algo para trás, mas não sabe o que. Confere: carteira, certo; celular, o maldito, está aqui. Crachá (a sineta do gado corporativo) também está aqui. A chave de casa está no bolso, o bilhete de ônibus também. E as mãos continuam a revirar cada dobra da roupa onde pode haver algo necessário e essencial. O livro, o pen-drive, as apostilas. Pus meias? E ergue ligeiramente a perna da calça para verificar. Caralho, que está tudo aqui e não consigo pensar em mais nada. Chega o ônibus e fico com a irremediável sensação de que deixo algo para trás. O trajeto prossegue e, quando consigo sentar, no último ônibus, percebo: esqueci-me em casa, dormindo.

domingo, 28 de setembro de 2008

Caravana da Anistia

Durante o Estado Novo o pai tinha tido suas desavenças com o governo, era funcionário público e uns anos antes até pertencera ao Partido, mas tudo ficara para trás. Agora era o filho, sumido e ninguém sabia dele. Metido em passeatas, panfletagem. A família não sabia se fugia do país, se escrevia para a ONU, a mãe chorando o dia inteiro, não deixavam mais a irmã sair de casa. Anastácia, a empregada, continuava cozinhando. Ninguém lhe contava nada, podia ser perigoso, para quem? Mas também, ninguém sabia que a mãe de Anastácia era alforriada, que a avó viera de navio e ninguém saberia que sua filha, anos depois, também faria faxina. E cozinharia com os mesmos temperos fortes e bons, apesar do rapaz morto.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

o porteiro

Ele não era bonito, mas dizia que me amava e nunca deixava eu pagar a conta. C’est sufi, pensei. No nosso primeiro encontro, ele disse que ficou surpreso que eu tivesse retribuído o olhar e mais ainda o beijasse na boca. Só lembro de passar minha língua em seus dentes para ver se tinha todos ou pelo menos os da frente. Nunca pedi para que ele tirasse o boné. Na verdade, que ficasse totalmente pelado. Ele não usava cueca e isso já era intimidade demais. Eu interfonava e ele subia. Nem sempre eu abria a porta, mesmo assim ele nunca deixou de ir.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

caligrafia esquece

não tenho escrito quase nada. tenho mais é observado o desenho das letras. e as pessoas dançando, enlouquecendo. tenho reparado nas hastes, nos olhos das letras. tenho até deitado nos ombros delas, nas quinas dos ápices e dos vértices. mas a verdade é que não tenho escrito quase nada. tenho passado pelos dias dançando enlouquecida pra fora da entrelinha. tenho observado a velocidade que atravessa as horas e não pára nunca de abrir caminho da boca ao coração - da boca ao coração, nesse movimento repetido e esquecido mil vezes por todos. tenho reparado no corpo do a. na lágrima que cai do a, no silêncio que tem dentro do olho do a, e no próprio a. e me detenho aí, minuciosa e rasante.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

tirar um retrato que me desabafe

Continuo na chave do inominável. Aquele que não abre nenhuma das portas da minha realidade. (Realidade é o que caminha em mim.) À mão que afaga este problema a materialidade dos livros ajuda. Quem os vê assim, juntinhos, pensa até que são organizados. Quem se oferecer a abrir um a um sem fastio (não eu, ) e olhar direito também vai encontrar umas séries zinhas de palavras como essas que, próximas e encadeadas, se parecem com algo que já se conhece e portanto: são. Uma língua, uma história, uma engenhoca. E quando acontece da gente perceber que está vivendo mais uma vez algo que se parece mas não é? É só um laço, beibe, de fita, não aperta nenhum nó antes da última hora.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Um disfarce

Às vezes tenho medo que fique evidente, quando escrevo, a influência dos professores da universidade. Por que o medo? Foi a revelação de um segredo para mim. A primeira chave: não diga as coisas. Escreva de um modo indireto para que o importante não seja mencionado e esteja apenas criptografado nas ações de superfície. Depois percebi que era meia verdade: porque a ação de superfície precisa dizer algo. Não basta esconder o principal, é preciso construir um disfarce aparente, um disfarce que faça sentido. A segunda chave: compreensão do mundo. Essa compreensão pode estar equivocada e novamente aqui acreditei nos professores.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Sobre estradas e verduras

Dar aula. Dar aula longe. Dar aula muito longe, um lugar que exija vários meios de transporte para esgotar setenta quilômetros. E pensar que entre a cidade grande e o vilarejo promovido a estância à força, há lugares sem energia elétrica. No meio do caminho, repolhos e acelgas vicejam sob o sol e à beira da estrada. O ônibus rodoviário desliza suave na rotatória; desço. Ando da beira da cidade ao centro em cinco minutos, em subida plena; a escola, ao lado do cemitério. Bons-dias. Os alunos não vieram. Tomo um café e penso na vida, na volatilidade das coisas. Pego minha bolsa e começo a fazer o caminho de volta de três horas, por três cidades e setenta quilômetros.

domingo, 21 de setembro de 2008

Arbeit macht frei

Benedita estava começando a ficar com fome. A patroa tinha encomendado a marmita, que só chegaria à uma. Era meio-dia. Se começasse a lavar o banheiro, que era imenso e estava bem sujo, terminaria em uma hora e poderia então comer. Mas dava-lhe uma gastura pensar em comer depois da água sanitária e ela não sabia como é que era essa marmita. A prima dissera-lhe que essa patroa era muito boa. Mas Benedita não ia com a cara de patroa nenhuma. Umas nojentas, todas. Vale ressaltar que este blog só sobrevive graças à diferença salarial. A sua faxineira não entende alemão, entende? Benedita não entendia. Mas sabia muito bem que o trabalho é só um meio. E que tudo o que há é marmita que pague.

sábado, 20 de setembro de 2008

feriado (auto-retrato 1)

ou o tempo que sai e cai e desemboca e depois vai indo e de repente zzz. ou: a face parda embaralhada de dia foi/ foi minha vida minha casinha. o programa desligado desligou, assim, meio no escuro, a rapaziada deitada chão chão chão. o lado frio que fiz saiu e caiu e desembocou / a boca flanando horrores. foi e furou. abriu brio. fino/ fulgor/ físico/ trato. faísca fadada enrolada. pura enrolação, aliás. me chama que eu vou. FIM. papelzinho: ligar e descobrir que dia começa. firilice, aquelas idéias, se cortando/ na lâmina a fé partida, mil pedaços, farelo, fatia de fé/ todo um enjoamento libertário por água abaixo agora/ agora vem uma espécia de texto, que não se declara/ a declaração é um chato/ o contato, um buraco - aberto, descontínuo, no meio dos outros _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O gato da Rainha de Copa

Minha primeira atitude foi arrancar um a um os dentes dele. Os mais duros quebrei e deixei apenas a raiz. Um bom copo de coca foi minha sensibilidade na hora de lhe matar sede. Finalmente tinha retirado do rosto dele aquele sorrisinho que acha que resolve/consegue tudo. Dois dias depois, ele me disse que estava com fome através de sinais. Sempre usou os dentes na hora de falar e agora sem eles não sabia como. Ofereci um jantarzinho light: salada crua de cenoura, beterraba em rodela e brócolis temperados com vinagre balsâmico. A sobremesa: maçãs verdes. A minha segunda atitude foi cortar cada um dos dedinhos dele. Volta e meia ele enfiava onde não devia.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

onde há calma nem sempre pode haver movimento

Dizem que viajar liberta. Eu vi o mundo? Passei por aqui e não reconheci um pedaço. Outros sítios pelos quais não estive quebram a totalidade inviável. Estou quebrada em pedacinhos, mosaico do que vi. E não estou mais livre. Não vi a lua. Sou um mosaico por montar dentro de uma caixinha. Mas não estou empoeirando embaixo de uma cama, nenhuma bota me pisa e o seu lobo não vem. Estou cá na rua, a tomar chuva entre os Antunes e as namoradas dos Antunes. Não sei se já fui uma delas. Mas muitas vezes estive entre elas. Um dia aprenderei a deixar de me sentir um vaso, em cima de uma lareira que nunca se acende, este sim, coberto pelo pó de um fogo antigo.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Selênio

Como ele consegue viver com um corpo tão magro? Sua pele tem cor e textura alteradas por causa do remédio, ele sabe que sim, ele me disse. Um papel fino que poderia romper. Entretanto ele sobreviveu a muita gente. Os dentes doentes, os olhos, o sistema digestivo. Teve uma grave depressão e voltou à psicanálise, contra a vontade, não queria retomar os mesmos assuntos. Eu disse: é possível falar de seu trabalho. Tudo não se reduz à primeira infância, você não está fugindo, a vida é mais complexa. A amiga naturalista diz que não, a depressão pode ser causada por deficiência de nutrientes, selênio, magnésio, tungstênio. Isso não é místico demais?

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

La lluna

Eram quase onze horas de uma noite quente entre Natal e Ano-Novo. Tínhamos escolhido fugir para cá, para a Vila de Paranapiacaba, porque é tranqüilo. Andávamos com a maior calma do mundo e era já tarde da noite, a luz branca da lua cheia fazia com que os vagões carcomidos fossem recifes de coral. Na passarela, quando voltávamos à pensão, ela segurou minha mão e boiamos no vago azul profundo. "Que pensa você?"; "Penso na lua, essa lua, 'que passa entre todos os séculos e os teus olhos'". Subimos a rua de paralelepípedos e das casinhas de madeira parecia sair uma musiquinha suave de oboé, de todas as casas. À porta do seu quarto me despedi e fui para o meu. E a lua, por uma fresta da madeira, não me deixava dormir.

domingo, 14 de setembro de 2008

Pão de Açúcar

A professora do Fundamental I disse que esta será uma semana fria em São Paulo, com os termômetros atingindo os dez graus negativos. Ontem mesmo, de madrugada, a Paulista estava um gelo. Uma garoa pesada empapando as nossas roupas depois que saímos da travecagem na casa do Fabinho. Fazia muito tempo que não via ele nem Victorety, que me perguntou sobre a viagem ao Rio e disse que ficou mais um dia em Copacabana. Eu, desde que voltei, sinto que nem fui. Vi o Cristo de soslaio e o Pão de Açúcar da janela do ônibus. Quando cheguei, parece que São Paulo já estava aqui bem antes de mim. Desde então não parei de trabalhar. E vi minha mãe só uma vez, no dia em que nossa cachorra morreu.

sábado, 13 de setembro de 2008

uma rosa é uma rosa (auto-retrato 0)

uma rosa que parta daquilo que não é – uma rosa do nada. um esvaziamento no fundo do quintal – no muro concreto encardido pessoa agachada não quer entrar. disseram que era inútil. devo chamá-lo? disseram: é um inútil. eu certamente também. todos na sala sem dúvida entenderam como era, sim, inútil. vinte e poucos anos e aquela bagunça no armário, e uma responsabilidade só. e por que fazer letras, por que não jornalismo? desisto de conversar e me recolho na poltrona. rosa. o espinho sai do caule, que é uma conexão útil. o pensamento é um espinho que se direciona ao encardido. a família é uma saliência que se direciona à terra molhada. o desabrochar de uma rosa é uma ironia leve. o sujeito no quintal olha para a parede. observo as espáduas masculinas abertas.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

se

antes de antes de antes de antes de ontem: a imagem do poço / o abismal, a água / pode-se mudar uma cidade, mas não se pode mudar um poço / quando se chega próximo ao nível da água, mas a corda não vai até o fundo __ antes você não tivesse medo desse horizonte no
mar_________________________________________________________________
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quarta-feira, 10 de setembro de 2008

escolhe uma amor, escolhe

A verdade é que pensei tantas estratégias de te trazer ao meu encontro que essa de dizer a verdade talvez também seja uma estratégia: tipo: o mar avançava dois metros e os holandeses avançavam dois metros sobre o mar. To viva gente, escrevendo essa quarta so pra mae nao se preocupar comigo, ta? Briga comigo nao, M. Tem uma coisa que me impede de escrever. Como se houvesse agora nessa sala em Paris uma coisa entre eu e escrever. Porque fui construindo essas duas linhas em paralelo (/ /). De repente acordei que essa pessoa tà separada. Dai vou dormir tipo é inevitavel inevitavel- exclamo. Duas agulhas com uma so linha: hei de voltar. De repente so sao linhas; dorme coraçao agitado, volver Lisboa.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Sua janela

Depois de algumas semanas de dispersão, volto ao meu professor. Ontem precisei ir à Secretaria de Cultura no Largo do Paissandú. O centro me pareceu mais bonito, um alívio comparado ao horror da época em que eu trabalhava oprimida por aquela quantidade de gente e meu salário baixo. Meus olhos mudaram ou foi a conjunção sinistra do movimento Vivia Centro com a lei Cidade Limpa e o prefeito Kassab? Não quero reconhecer mérito em quem não confio, mesmo que os tenham, se está mais bonito é o mínimo dessa canalha criminosa e cretina. Peguei o ônibus em frente à Praça da República e passei em frente ao seu prédio. Pensei em ligar mas não liguei. A Cidade Limpa não deixa o Copan mais bonito.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Sobre a insônia

O corpo ardia, mas não era febre; também não era nada lúbrico. Era somente uma calentura esquisita que o impedia de dormir, como se estivesse assando. Mas a noite estava fresca. A cabeça lhe fervilhava um pouco e, achou ter encontrado alguma panacéia universal no estado delirante do dorme-vigília incandescente. Achou, por um átimo, que era Ganesh, com a sua cabeça paquidérmica e sentiu-se com os vários braços de Shiva. O dia seguinte lhe parecia tão longe como falar na situação do país em 2050, 2070. Ardia como se o sol do meio-dia lhe queimasse costas, peito, pernas e viesse por todos os lados. Fora começou a chover; sentiu vontade de despir-se e correr pela chuva, mas sentiu medo de destemperar-se.

domingo, 7 de setembro de 2008

Estou tentando ligar pra você desde quarta-feira

Estive ocupado demais nos últimos dias, eu sei, mas você podia ter escrito um email, sei lá! Agora você vem e quer que eu entenda tudo, te diga que vai ficar tudo bem, quer o quê?! O que é que você queria?! Eu sei lá dessa porra, conheço o que vejo na televisão, tive um tio que morreu disso, o irmão da minha mãe, que te interessa?! Eu falei que você tava se arriscando, eu falei, mas as coisas têm sempre que ser do jeito que vo-cê quer, não é mesmo? Então vá se foder! "Amigo" é o caralho! Eu avisei que uma merda dessas ia acontecer, agora não adianta vir chorando pra mim, não! Agora eu quero mais é que você se foda, que é pra aprender. Quam avisa amigo é. Como é que eu ia saber?! Eu só queria o seu bem!

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

raios fúlgidos

para o turista que desbrava porto seguro, patrimônio histórico nacional e patrimônio natural da humanidade as mãos secas à noite programa certeiro é desfilar pela passarela do ácool o que eu não sabia é que não haveria mais creme, a embalagem vazia também espanhóis, italianos, holandeses e principalmente brasileiros que índio? resta o protetor solar, preto agora também não pode esquecer casinhas coloridas tanta(s) cultura(s) a igrejinha de N.S. da Pena à noite rôo, rôo esse dente, meu bem, sundown centro histórico bruxismo e tv ligada sonho intenso miscigenação air conditioned nivea o marco da posse, lavrado em pedra de cantaria all inclusive lá de cima, o turista descobre a paisagem baiana o marco zero do turismo brasileiro paz no futuro, glória no passado, o presente, souvenir

Nada de xepa...

Jamais freqüentei baile da terceira idade. Não sei jogar dominó e a tal regra do proibido dar caroço, me incomodava. Isso de ter que dançar com todo mundo não me agradava. Era só o que me faltava não poder recusar parceiro depois de velha. Sempre fui enxuta. Muito bem cuidada. Quarenta por cento da minha pensão era gasto em produtos da linha Renew. Ou seja, o mínimo que eu queria era bailar com homens de quarenta anos com fôlego de vinte in natura. E se tem uma coisa que aprendi nessa vida era saber exatamente onde encontrar o que precisa e pagar pelo preso justo.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

quartaquinta

quando é noite e realmente não tem consequência que não seja, humm. que de alguma forma não seja: compensa-dor. mas quando decidi sair daquela casa, eu fui até a maçaneta com passos bem lentos - e você ainda apagada lá no sofá com um gato passando rajado e um preto olhando fixo. não sei como a gente ocupou tão bem aquele espacinho. levei metade das garrafas da sala pra cozinha. eu sabia que do outro lado das paredes era tudo sol quente nas cabeças nos canteiros centrais nos carros no asfalto nos fígados resistindo aos excessos da nossa civilização. respirei fundo mais de uma vez. e a minha mão na maçaneta abriu uma ferida de luz na noite. ontem foi um sopro que emendou hoje:

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

o tempo do trem daqui para a Bolívia

Abro este diário. Com receio. A Tour Eiffel parece uma cabana apache. Eu também, como os holandeses, quero adquirir a velocidade de uma equação por olhar. Olho o aviãozinho que passa. Quero tudo apavoradamente. Estou segura. Estou apaixonada. Ai que enjôo me dá a estratégia do açúcar. O Torquato Neto que se jogou. O Torquato Neto que se debruçou na bananeira. Sou. A gente quer que a vida se aproxime. Alguns acreditam em deus, outros em explicar a estrutura do universo e há gente até que entenda o mapa de Amsterdam. Que sem esquecer a gente seja feliz. E "há um esquecimento positivo", disse ele. E não tenho mais como perguntar "e este pode ser programado?" ou "é possível viver uma segunda vez?".

terça-feira, 2 de setembro de 2008

se houvesse

Ela morreu num acidente de carro porque estava se separando. Ansiosa, alterada, bateu o carro e morreu. Elas também morreram, a mulher e as duas filhas, porque o caminhão atravessou a canaleta e esmagou o carro. Estavam nervosas também? O motorista do caminhão. Você tem medo de estrada, se preocupa por tão pouco, não teve tragédias na família, sinto vergonha dos desastres pequenos. Os grandes horrores começam: se o motorista fosse amado quando criança. Amando e cuidando, tranquilo e confiante, os carros são pessoas, indo e vindo, estou indo também. Se houvesse um pouco de amor, eu não me explico direito, se fosse, seria, assim.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Sobre a guerra santa

O estandarte vermelho dos otomanos surgiu no horizonte, milhares deles, a aurora vermelha no dia nublado. As bandas militares dos janízaros tocavam suas estranhas marchas militares cujo som lembra um amolador trabalhando as espadas. A justa será breve e gloriosa, venceremos os turcos e sua fé suja, nós, legais e detentores da Terra Santa por direito. Que são seus cavalos e lanças ímpias frente à nossa fé? Fígados e humores e grande quantidade pulam desses seres infiéis e renegados. Todos mortos, finalmente, os cadáveres, deixá-los-emos insepultos, aos abutres e aos ratos. Mas recolhemos seus estandartes rubros e as tropas de infantaria acharam por bem cozê-los em água fervente e comê-los.
 

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