domingo, 29 de junho de 2008

28 de junho

À memória de


Estava no segundo ano de arquitetura quando a conheceu, um ano mais nova, mas no último ano de filosofia. Virgínia era filha de uma atriz com um professor de literatura. Começou a freqüentar a casa dela, tão diferente da sua, e seus dedos acariciaram os livros da amiga até chegarem ao meio de suas pernas, um redemoinho forte como ela não imaginava. As duas eram inseparáveis, exceto quando Virgínia ia para reuniões secretas ou passeatas públicas que ela, filha de militar, apoiava apenas à noite, sozinha na cama, molhada de espanto. Não demorou para que seu pai descobrisse o que se passava. Num bar em Nova Iorque os protestos começavam, mas já na segunda-feira seguinte Virgínia não estaria na faculdade. E nunca mais apareceria.

5 comentários:

bernardo rb disse...

deus queira
que vivi
tenha fugido

sabina anzuategui disse...

o final é tão trágico que parece ficcional demais. mas a menção à memória me deixa em dúvida.
se for real, é terrívelmente forte.
se for ficção, me parece forçado.
não sei se entendi bem.

Anônimo disse...

uma das coisas que mais me impressiona nos relatos de quem viveu o anonimato dos "anos de chumbo", sem farda nem socialismo, é a memória dos desaparecimentos súbitos. um amigo seu some, você liga pra casa dele e ninguém atende, mas você não pode sair por aí perguntando. porque senão quem some é você. (isso ainda acontece, só que não mais com a classe média). é uma situação trágica, sim. mas a vida não precisa ser verossímil. e eu quero saber: então, a ficção precisa? também não sei se entendo bem.

Anônimo disse...

Why would I come
back through the park
I thought that I saw her,
but no
³
³
I did not

bernardo rb disse...

"Nisto de manifestações populares, o mais difícil é interpretá-las. Em geral, quem a elas assiste ou sabe delas ingenuamente as interpreta pelos fatos como se deram. Ora, nada se pode interpretar pelos fatos como se deram. Nada é como se dá. Temos que alterar os fatos, tais como se deram, para poder perceber o que realmente se deu. É costume dizer-se que contra fatos não há argumentos. Os argumentos são, quase sempre, mais verdaderos do que os fatos. A lógica é o nosso critério de verdade, e é nos argumentos, e não nos fatos, que pode haver lógica."

Fernando Pessoa, "A ilusão política das grandes manifestações populares", em "Obras em Prosa", p. 582 (Nova Aguilar).

 

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